segunda-feira, setembro 01, 2014

Mais um absurdo de um país surreal

Quando penso que eu já vi de tudo, aparece mais uma notícia que me deixou boquiaberto! Fico pensando como que uma cidade possui boa parte de seu território dominado por traficantes pode ser sede de uma Olimpíada! Se uma notícia dessa sai em algum veículo de imprensa estrangeira, imaginem o espanto que acometeria seus leitores! No entanto, parece que já estamos tão acostumados com tais absurdos que isto nem nos causa mais indignação!
Dellano,

Bandidos agem em 16 estações e expulsam os funcionários da SuperVia

‘‘Aqui, nesta estação, ninguém paga passagem, a entrada é liberada. A venda de drogas, também. A única regra é chegar e sair calado’’. A informação, dada por um passageiro de trem, corresponde ao que acontece numa parte da malha ferroviária da SuperVia, um sistema de transporte público fundamental para uma grande parcela da população fluminense, no qual viajam cerca de 620 mil pessoas por dia. Hoje, o tráfico atua livremente em 16 estações de trem.
A situação chegou a tal ponto que, em uma das paradas — a estação Tancredo Neves, no ramal de Santa Cruz —, não há mais funcionários da concessionária, que foram expulsos por bandidos: o tráfico tem o controle de toda a plataforma. Ali, traficantes circulam armados e vendem drogas em locais onde deveriam estar trabalhando bilheteiros, seguranças e operadores de tráfego.
A reportagem do GLOBO passou uma semana viajando pelo sistema ferroviário e registrou a movimentação de traficantes e usuários de drogas em 43 pontos. Os problemas mais graves ocorrem nos ramais de Santa Cruz e Belford Roxo, que, juntos, recebem 128 mil passageiros por dia. No primeiro, pelo menos seis áreas ao longo da via férrea estão dominadas por facções criminosas. Nas estações de Magalhães Bastos e Tancredo Neves, a venda e o consumo de maconha, cocaína e crack acontecem no meio das plataformas, sem qualquer repressão.
“Tem pó de cinco e de dez’’, anunciava, aos berros, um dos 20 traficantes que, na tarde da última quarta-feira, circulavam pela estação Tancredo Neves, onde, pelos cálculos da Supervia, cerca de 1.600 passageiros embarcam e desembarcam diariamente. É a penúltima parada para quem começou uma viagem de aproximadamente duas horas na Central do Brasil. Cápsulas de cocaína, já vazias, podem ser vistas pelo chão da plataforma.
Em geral, a droga é consumida perto dos trilhos por dezenas de usuários de droga. A cena provoca medo. Trabalhadores que usam a estação caminham para suas casas de cabeça baixa, evitando olhar para os traficantes, a maioria jovens, que, com radiotransmissores, observam o vaivém.
— Realmente não temos mais funcionários ali. Estamos seguindo orientações da Secretaria estadual de Segurança para não entrarmos em confronto com o tráfico. Vamos nos manter o mais distante possível até as autoridades policiais tomarem uma providência — diz o presidente da SuperVia, Carlos José Cunha.
No ramal de Belford Roxo, traficantes atuam em pelo menos dez estações. Em alguns pontos, foram erguidos barracos a poucos metros dos trilhos, que, durante o dia, são bocas de fumo, e, à noite, viram abrigos para os dependentes — que não deixam mais a malha ferroviária depois que escurece. Há adolescentes, idosos e até mulheres grávidas se drogando o tempo todo. A disputa por passageiros é grande: de um lado, traficantes tentam atrair potenciais clientes mostrando trouxinhas de maconha, pedras de crack e papelotes de cocaína; de outro, evangélicos gritam “aleluia” e entregam panfletos com endereços de suas igrejas, prometendo a salvação para os viciados.
Segundo a SuperVia, o problema está se agravando. Nos ramais de Santa Cruz e Belford Roxo, existem mais de 150 buracos nos muros ao longo das linhas férreas, abertos por bandidos para facilitar o entra e sai de dependentes e as fugas durante eventuais operações de combate ao tráfico. A concessionária informa que monitora as passagens abertas irregularmente e fecha, em média, quatro por mês. Porém, destaca que traficantes voltam a abrir buracos horas depois. É perto dessas aberturas nos muros que acontecem feiras de crack, maconha e cocaína. Com radiotransmissores, bandidos vigiam quem se aproxima e, dependendo das vendas, ordenam novos abastecimentos de drogas, que chegam em sacolas.
A concessionária que explora o sistema ferroviário calcula que cerca de 40 mil pessoas usam os buracos abertos pelo tráfico e acessam estações sem pagar passagem. O fluxo faz com que, diariamente, R$ 128 mil deixem de ser arrecadados nas bilheterias. Por ano, o valor que passa longe dos caixas gira em torno de R$ 46 milhões.
— São recursos que perdemos e que poderiam ser investidos na modernização das linhas e no conforto dos passageiros — afirma o presidente da SuperVia.
A Secretaria estadual de Segurança diz, por meio de sua assessoria de imprensa, que relatou à Polícia Militar os problemas apontados pela reportagem. Em nota, a PM garante que faz operações regulares na malha ferroviária. A corporação destaca que, de janeiro a julho deste ano, policiais do 27º BPM (Santa Cruz) detiveram 51 pessoas na Favela de Antares, que fica nos arredores da Estação Tancredo Neves, e apreenderam 28kg de cocaína, 2.913 sacolés de cocaína, 3.483 pedras de crack e 29 frascos de cheirinho da loló, além de 613 gramas de haxixe. Foram encontradas ainda 12 pistolas, uma espingarda e uma réplica de metralhadora.
Ainda de acordo com a PM, equipes do Grupamento de Policiamento Ferroviário da PM trabalham em plataformas e dentro dos trens. Este mês, 162 foram detidas no sistema ferroviário, diz a corporação.
Problema já existia em 1997
Uma reportagem do GLOBO de 1997, intitulada “O expresso do pó”, já alertava, há 17 anos, para o problema do tráfico na via férrea. Naquele ano, bandidos atuavam em um terço das 90 estações espalhadas por 274 quilômetros da malha ferroviária. Os maiores problemas eram registrados em estações como a de Vieira Fazenda, ao lado da Favela de Jacarezinho, onde criminosos haviam arrancado as roletas, ordenando aos bilheteiros que fossem embora e transformando o lugar numa boca de fumo. A venda de maconha e cocaína acontecia sem repressão. Além disso, criminosos circulavam armados pelos vagões.
Em 2007, O GLOBO publicou nova reportagem, mostrando que, além da capital, o tráfico já atuava na linha férrea em outros dez municípios. Na cidade do Rio, a estação perto do Jacarezinho continuava com venda de drogas, e crianças e adolescentes eram os principais consumidores.
Rotina marcada pelo medo
Em diversas estações no ramal de Santa Cruz e Belford Roxo, são traficantes com radiotransmissores que ditam as regras, deixando assustados passageiros e funcionários da SuperVia.
— Alguns marginais vão diretamente à cabine e exigem que a gente mude a frequência do rádio para que possam usar a nossa (para ter informações sobre a circulação dos trens e saber se a SuperVia está acionando a PM). Assim, ficamos sem comunicação para receber dados sobre liberação de vias, entre outros — conta um maquinista.
Passageiros dizem que usuários de drogas e traficantes circulam pelos vagões.
— Outro dia um rapaz começou a cheirar cocaína do meu lado e do meu neto de 9 anos — conta um passageiro.
Sem fiscalização, uso de drogas é comum dentro dos vagões
Uma manicure que utiliza o ramal Santa Cruz de segunda a sexta-feira se diz aterrorizada pela falta de segurança dentro dos trens:
— Todos os dias, tanto viciados quanto traficantes sobem e descem na minha estação. Não existe qualquer tipo de fiscalização. Os trens agora são lugares inseguros, porque viajam neles pessoas que roubariam e matariam para poder usar drogas.
Outra passageira que sofre com o tráfico nas estações é uma costureira também usuária do ramal Santa Cruz. Ela conta que, ao entrar num vagão na estação de Santíssimo, um rapaz se sentou ao seu lado para cheirar cocaína:
— Ele não tinha mais do que 15 anos. Logo que ele começou a cheirar, um segurança entrou no vagão para adverti-lo. Mas pouco depois um outro menino, traficante, entrou e perguntou ao segurança se ele ia incomodar seu cliente. O segurança apenas respondeu que não, deu meia-volta e foi embora. Eu então saí e troquei de vagão.
Fonte: O Globo.